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Um Corpo que Cai

26/05/2010

Quando O Homem que Sabia Demais acabou, esperei uma hora até a próxima sessão. Na sequência passaria o filme de Hitchcock que eu mais ouvira falar sobre depois de virar cinéfilo. Antes dessa minha nova fase de vida, eu era Psicose e Os Pássaros. Agora, Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958).

Em uma coisa eu concordo: é o filme de Hitchcock com o melhor cartaz promocional. Mas quanto a ser o melhor filme… tenho meus contras.

Três foram os motivos para haverem esses contras. O primeiro deles é a inevitável expectativa que eu tinha. Até então eu tinha visto esses filmes de Hitchcock (nessa ordem; com minhas notas): Ladrão de Casaca (To Catch a Thief, 1955), 4/5; Disque M Para Matar (Dial M For Muder, 1954), 5/5; Janela Indiscreta (Rear Window, 1954), 5/5; Intriga Internacional (North By Northwest, 1959), 5/5; Confissões de uma Ladra (Marnie, 1964), 3/5; Psicose (Psyco, 1960), 5/5; e O Homem que Sabia Demais, claro. Só para terem uma idéia de como o trabalho do diretor tinha me impressionado (como ainda me impressiona e sempre impressionará). Gostei de todos os filmes, e alguns eu amei – Disque M Para Matar é meu preferido. Logo, seu trabalho mais elogiado prometia ser algo fora de série, ou no mínimo não inferior aos outros.

Vocês já devem ter percebido que eu estou tentando me desculpar por não ter achado Um Corpo que Cai um filme tão maravilhoso assim. Então, o segundo motivo dos três que estou citando é intrínseco ao primeiro: apenas uma hora antes eu tinha outro filme de Hitchcock que gostei muito. Talvez por que eu não esperava nada. Nem li a sinopse de O Homem que Sabia Demais e não sabia se o filme era bem cotado ou não, ao passo que mesmo também não lendo a sinopse de Um Corpo que Cai, esse filme tinha um enorme peso por trás. Assim, o assisti ansioso por aquilo que vou chamar de “aquilo” – já que eu não fazia a menor idéia do que o filme iria proporcionar.

O que me leva ao terceiro motivo da minha não apreciação do longa: Brian de Palma. Sim, sei que neste momento vocês estão pensando “what the fuck?”, a não ser que sejam cinéfilos mais chatos (e me incluo nesse grupo esporadicamente). Em 1984 Brian de Palma dirigiu Dublê de Corpo (Body Double, 1984). E eu vi Dublê de Corpo muito recentemente. E Dublê de Corpo é um quase thriller metido a hitchcockiano baita plágio de tanto Janela Indiscreta quanto de, adivinhe, Um Corpo que Cai. Copiou a temática do primeiro (o homem que testemunha algo pela janela) e a premissa da trama do segundo (o ‘algo’ testemunhado). Se eu explicar mais detalhadamente, darei spoilers desnecessários, então paro. Não é difícil perceber a semelhança, basta ver os filmes. E tive ainda a infelicidade de ler um comentário sobre Dublê de Corpo que mencionava Um Corpo que Cai. Na realidade eu nem li, pois assim que vi a menção ao longa de Hitchcock, desviei os olhos.

Logo, aconteceu de chegando no terceiro ato do filme eu já adivinhar tudo o que aconteceria dali em diante. Isso, então aquilo, e mais um pouco disso.

Isso diminui a qualidade do filme em si? Claro que não. No entanto, eu, no privado interior da minha pessoa, não fui conquistado pelo roteiro. Fato influenciado certamente por eu ter visto Dublê de Corpo antes, porém duvido muito que eu não teria me incomodado com o roteiro de Um Corpo que Cai mesmo que jamais tivesse ouvido falar no longa de De Palma. Por que embora Dublê de Corpo tenha copiado a idéia de Um Corpo que Cai, a história que o filme conta é outra. O plano arquitetado pelo personagem X de De Palma é diferente do plano do personagem Y de Hitchcock. E é o tal ‘plano’ que me incomoda, tanto em uma produção quanto em outra, muito embora sejam planos completamente diferentes – e por favor não confundam esse ‘plano’ que falo com o conceito de plano da fotografia!

A engenhosidade do plano do personagem Y é forçada demais para mim. Eu poderia me contra-argumentar usando a seguinte frase (minha): “Se um roteirista de cinema consegue imaginar tal coisa para escrever um roteiro, por que qualquer outra pessoa não poderia também imaginar e, ao invés de escrever um roteiro, de fato fazer o que pensou?”. E o que essa frase quer dizer? Simplesmente que se você, roteirista, conseguiu bolar tal trama, o seu personagem que realiza essa trama no roteiro poderia muito bem fazer de verdade – ou você mesmo poderia fazê-lo, não? Todavia, a trama de Um Corpo que Cai não me convenceu. Só que a culpa não é só dos roteiristas Alec Coppel e Samuel A. Taylor, como do próprio Hitchcock (ok, me matem).

É trabalho do diretor fazer o que se passa na tela soar crível, mesmo com uma história incrível (com o perdão do trocadilho). Durante boa parte do filme isso se mostra notável. A condução da trama é bem realizada, até a reviravolta final. A partir daí o filme desanda. Não era só eu já saber “aquilo”, mas o “aquilo” é revelado de forma muito gratuita (flashback de memória repentino). E então temos uma demasiada enrolação até o protagonista descobrir o que nós, espectadores, já descobrimos.

Hitchcock ganha méritos por nos deixar ansiosos quanto a revelação para o protagonista, e temerosos quando a reação do mesmo, mas como eu disse, o diretor se amarra demais. Quando finalmente acontece, o filme ganha mais pontos positivos. Pois apesar da reação do protagonista ser exagerada (não creio que seja só eu quem pensou assim), a sequência da cena na escada da igreja é fascinante, antológica. E há uma curiosidade quanto ao exagero do personagem de James Stewart – que aqui se mostra bem mais intenso do que em O Homem que Sabia Demais, com sua raiva nessa última cena e seus olhos arregalados na primeira. Notem que ele desconta a raiva em cima da personagem de Kim Novak por ela não lhe ter contado a verdade, mas considerando ele mesmo por um tempo ter escondido o fato de ele ter descoberto a verdade, até chegar na escada e falar tudo, o motivo de sua raiva é obviamente outro. Confuso? Exatamente. (neste momento em que escrevo esse parágrafo eu lembre demais das aulas de Filosofia da Arte, em que a professora adora citar Hitchcock). O meu palpite é que ele estava com raiva da mulher por ela ter tido medo da reação dele caso soubesse a verdade – e de fato ela estava certa, não? Ok, estou superinterpretando, vou parar… Mas me digam se não soa plausível! Foi por isso que ele não contou que descobriu a verdade para ela antes de chegar lá na igreja. Ele pensou que ela faria alguma coisa, afinal ela não queria que ele descobrisse a verdade. Então se ele falasse para ela que tinha descoberto, ela teria uma reação que ele de certo pensou que não ser agradável. Tudo no nível do inconsciente. Por outro lado, conscientemente ele a levou até a igreja para tentar vencer seu próprio problema, a vertigem… Ai, socorro eu estou psicanalisando personagens fictícios!

Voltando à normalidade e aproveitando que mencionei vertigem, o verdadeiro título do filme, posso falar da maior aquisição de Um Corpo que Cai, pelo menos se considerando a técnica fílmica da produção: o contra-zoom, conhecido também como vertigo effect. Esse lance aqui. É genial. Simplesmente genial. Pena que o mesmo não pode ser dito quanto ao restante do filme. Nota: 3/5.

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