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Blow-Up

30/06/2010

Ao se rebatizar uma produção cinematográfica, escolher uma palavra ou frase que a desloque de seu contexto – ato recorrente em traduções de títulos de longas-metragens no Brasil a fim de atrair maior público – pode ser terrivelmente prejudicial ao projeto. Em Blow-Up (1966) isso se mostra evidente.

Coroado com um título incrivelmente atroz no Brasil, aqui o filme de Michelangelo Antonioni é oficialmente chamado de ‘Depois Daquele Beijo’. Tal solução pedestre para a problemática de traduzir “blow up” literalmente com certeza fez, ainda faz e continuará fazendo pessoas verem o filme pensando em outro. ‘Depois Daquele Beijo’ dá a idéia de uma comédia romântica, ou algo aproximado, e Blow Up está devidamente longe de referido rótulo, ou qualquer outro, e isso é bom. Não caber totalmente em determinado gênero cinematográfico apenas solidifica a questão que o cineasta italiano propõe ao espectador.

A direção segura com que Antonioni conduz a narrativa é o que prende nossa atenção aos acontecimentos à volta de Thomas, um fotógrafo cínico e arrogante, muito bem interpretado por David Hemmings, um ator talentoso que alcançou fama à época do lançamento do filme, porém infelizmente não tardou a ser esquecido. Seguindo um resumo geral da trama, o protagonista, à procura da foto perfeita para concluir seu livro, vai até um parque curiosamente vazio a não ser por (aparentemente) duas pessoas: um homem e uma mulher relativamente mais jovem, vivida por Vanessa Redgrave – que seria no ano seguinte indicada ao Oscar de Melhor Atriz por seu desempenho em outro filme. A mulher, Jane (?), ao perceber a presença do fotógrafo, se mostra claramente incomodada com as fotos tiradas, e faz de tudo para que Thomas lhe dê o negativo.

O que sucede a essa bela cena do parque, muito bem enquadrada pelo diretor de fotografia Carlo Di Palma, é o momento-chave do filme: a revelação e ampliação das fotos. Ao vê-lo no laboratório escuro realizando esses processos da Fotografia, e logo depois analisando as imagens com cuidado, é notável a paixão que Thomas tem por essa Arte. Em meio à sua catarse artística ele percebe algo escondido nas fotos que tirou – ou apenas pensa que percebe, e é aí que está o lance primordial de toda a problemática sugerida pelo filme. Thomas acredita que suas imagens captaram as figuras de um homem com uma pistola em meio aos arbustos e outro homem deitado na grama. Através da competente montagem de Frank Clarke, vemos as fotos na sequência em que o protagonista as viu, e deste modo construímos uma narrativa sugestiva para o que aconteceu no parque. A expressão de Jane em comparação a aparição do homem com a pistola pode ser tanto de cumplicidade como de surpresa (aliás, quem garante que Jane seja realmente o nome da moça?). Além disso, antes de vermos a foto com o homem deitado no grama (ou antes de vermos ele em uma foto já vista antes), a idéia que temos é a de que o homem com a pistola estava lá para matar o homem que estava com Jane. E afinal, esse sujeito com Jane estava flertando, brigando, ou apenas conversando com ela?

Intrigado, Thomas dá um pulo no parque, e lá ele vê um cadáver no local apontado por sua foto. Porém, diretor inteligentíssimo, Antonioni, como um delicado posicionamento de câmera faz parecer que Thomas, em realidade, não está vendo nada, e que o homem morto do chão é sua ilusão. De novo, não há resposta. Talvez não haja nem mesmo um mistério.

Já no final do filme, Thomas está assistindo um jogo de tênis imaginário entre universitários se fazendo de mímicos. Um dos ‘jogadores’ bate na ‘bola’ muito forte e ela sai da quadra. Todos os olhos se voltam ao fotógrafo que, nessa situação, dá uns passos, pega a ‘bola’ e a devolve aos ‘jogadores’. A câmera foca o rosto do protagonista enquanto este observa mais uns minutos do jogo e de repente ouvimos o som de uma bola de tênis de verdade. Quadro a quadro a câmera se afasta, deixando Thomas cada vez menor em meio a um enorme campo verde, até que ele subitamente some. Isso é Antonioni dando seu ultimato, brincando com nossas percepções do que acontece na tela.

Com especial atenção à problemática da fotografia, essa é a proposta principal de Blow-Up: nossas noções do real. Considerando o foco na fotografia, é conveniente remeter às Teorias da Imagem, entrando em evidência uma discussão sobre a dimensão pragmática da imagem: a questão das imagens serem ou não afirmativas. As imagens podem mentir? Devemos considerar que nada pode ser apontado como verdade ou mentira se for manifestado em forma de imaginação, ficcionalidade, possibilidade, logo a função pragmática da imagem é aberta e indeterminada, e depende do contexto. Em suma, a dimensão pragmática argumenta que a imagem não afirma, ela mostra.

É o que podemos constatar nesse belo filme de Michelangelo Antonioni que quando revisto parece cada vez mais elegante que antes. 5/5

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