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O Legado Bourne

30/09/2012

Com qualquer novo exemplar de uma franquia de qualidade, o medo e até a chance de que algo dê errado é geralmente muito grande. Não por acaso, durante sua produção, O Legado Bourne (The Bourne Legacy, EUA, 2012) caminhava por linhas tortas e instáveis, principalmente por ser o primeiro capítulo da série de ação sem ter embasamento nos livros de Robert Ludlum, criador de Jason Bourne. O enredo aqui é totalmente novo, salvo as perspicazes ligações feitas com a trilogia anterior estrelada por Matt Damon e que de certa forma revolucionou o conceito de filme de ação nos anos 2000. Sabendo que a possibilidade de tragédia nessa empreitada não era pequena, ao final da sessão fica no ar aquela sensação de vitória ao constatar que essa nova história não esquece o espírito daquela contada nos filmes anteriores, servindo inclusive como uma interessante expansão do universo de espionagem visto naquelas aventuras.

Depois de abrir a narrativa em uma clara referência ao começo da franquia em A Identidade Bourne, apresentando de modo rápido e eficiente a força e resistência física do novo protagonista, o longa não demora em avisar o espectador que a maior parte da ação em cena se passa simultaneamente aos eventos retratados em O Ultimato Bourne. De modo que, precisando gastar uns bons minutos para situar o público dentro das novas proporções da história, fazendo também as devidas conexões com o que acontecia nos filmes anteriores, não deixa de ser um pouco frustrante que o roteiro que o diretor Tony Gilroy escreveu ao lado de seu irmão Dan alongue demais o tempo que o herói Aaron Cross (Jeremy Renner) fica restrito a seu treinamento no Alasca.

No entanto, embora o primeiro ato do filme se demore demais em estabelecer as diretrizes que a trama tomará no restante da narrativa, a aventura de fato começa quando o coronel Eric Byer (Edward Norton) declara temporada de caça aos agentes inseridos no programa Outcome.

Tendo roteirizado toda a trilogia Bourne, Tony Gilroy era realmente o candidato ideal para tomar as rédeas da franquia, principalmente depois de demonstrar um estilo de direção bastante eficaz para tramas investigativas, detalhe já evidente no ótimo Conduta de Risco, que marcou sua estreia na função. Para incrementar o universo criado pelo escritor Robert Ludlum e levado às telas por Doug Liman e Paul Greengrass, Gilroy teve uma ideia simples, mas eficiente. Expandindo a ficção de Ludlum, o que Gilroy fez foi criar outras operações de aperfeiçoamento militar além do Treadstone, já amplamente explorado pela trilogia. Assim, quando Jason Bourne surge levando a questão do Treadstone a público, a CIA se encontra desesperada para apagar qualquer vestígio dos outros programas. E o novo protagonista, Aaron Cross, não é ninguém mais do que um agente que, voluntário para um dos experimentos, passa a lutar por sua vida quando a Agência decide eliminá-lo.

Atuando com a mesma intensidade que o revelou no superestimado Guerra ao Terror (The Hurt Locker, EUA, 2008), Jeremy Renner logo capta a simpatia do espectador mesmo sendo vítima de um princípio tolo do roteiro, que diminui seu personagem ao invés de aprofundá-lo. Em todo caso, Renner é competente no que lhe cabe, fazendo o possível para humanizar Cross e sendo bem sucedido até mesmo nas cenas em que o ex-soldado age com frieza, como na luta com o lobo, ou em momentos de puro instinto, ao disparar o revólver para o alto no galpão de uma fábrica.

O problema na construção do novo herói é que, se Jason Bourne estava atrás de sua identidade, no que constituía um objetivo invariavelmente dramático e digno, Aaron Cross tem apenas medo que… seu QI volte a ser pequeno! Graças aos remédios que toma para melhorar suas capacidades físicas e mentais, Cross passou de soldado de infantaria a super agente secreto e, portanto, além de temer por sua vida, não quer voltar a ser como era antes, caso sobreviva. À primeira vista, não é uma das motivações mais interessantes do mundo, mas serve para tocar a história para frente, e ganha outros contornos à medida que a trama avança.

Ainda que o roteiro de Gilroy deslize nessa questão, o mesmo compensa na maior parte do resto, acertando em cheio, principalmente, no cuidadoso desenvolvimento da relação entre Cross e a Dra. Marta Shearing (Rachel Weisz), que jamais soa como o romance clichê dos filmes de ação que Hollywood adora desgastar ao máximo, o que é um grande alívio. A situação de risco que invariavelmente leva a uma amizade crescente é retratada com delicadeza pelo cineasta, que, no lugar de diálogos expositivos ou cenas de sexo, prefere inserir breves olhares e gestos para explicar o que se passa entre aqueles personagens.

Por fim, ampliando sua lista de qualidades e demonstrando ter prestado atenção durante as filmagens de A Supremacia Bourne e O Ultimato Bourne (os dois dirigidos por Paul Greengrass), Tony Gilroy consegue imprimir na narrativa um ritmo que faz jus ao caráter frenético que alçou a franquia ao sucesso na década passada, de modo que, com a ajuda do diretor de fotografia Robert Elswit e do montador John Gilroy (outro irmão), o longa mantém a mesma imersão inquietante da trilogia anterior quando na hora da ação, aí merecendo destaque três situações: o tiroteio no laboratório; o momento em que Cross encontra Marta Shearing; e, obviamente, a fuga final, que, durando praticamente todo terceiro ato, é desde agora uma das cenas mais intensas do ano, e uma das perseguições de moto mais fantásticas já vistas no cinema.